Elísio Estanque: “A praxe é um fenómeno sociológico complexo e rico na revelação de tendências sociais mais profundas”

Obra do docente da FEUC vai ser apresentada através de dois debates, a 19 de outubro e a 2 de novembro, com entrada livre.

12 outubro, 2016≈ 6 mins de leitura

© DR

“Praxe e Tradições Académicas” é uma obra que pretende lançar “um olhar sociológico, reflexivo e crítico sobre a chamada praxe académica”. Da autoria de Elísio Estanque, o ensaio vai ser apresentado em Coimbra. A propósito do lançamento, fizemos algumas questões ao autor e docente da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC).

 

– A praxe de Coimbra é diferente das outras?

Elísio Estanque (EE): É diferente na medida em que a “tradição” conta. E como sabemos a génese histórica destes rituais está na Universidade de Coimbra. Assim, talvez porque o peso da história é um elemento incontornável, em Coimbra a praxe está mais regulamentada, há uma maior consciência em relação ao risco de comportamentos abusivos e há também um maior cuidado. O próprio Código da Praxe da UC alerta para o problema dos abusos e tenta prevenir práticas suscetíveis de criminalização ao abrigo da Lei geral. Apesar de ser ainda escassa a transmissão aos novos alunos da informação relativa a todo esse património, a preocupação com o valor simbólico das tradições é mais genuína porque a riqueza desse legado também é maior no caso de Coimbra.

– O que o choca mais nas práticas da praxe hoje em dia?

EE: O que me choca mais é a forma fácil como a massa dos estudantes se deixa envolver em jogos cujo simbolismo naturaliza uma submissão incondicional ao poder. Ao poder do mais velho só porque é mais velho. A cultura de vassalagem perante a hierarquia representa uma aceitação acrítica de uma “autoridade” ilegítima. Trata-se de uma cultura de bajulação e glorificação de um poder tutelar (e muitas vezes despótico) que tende a perpetuar-se de ano para ano e que está a corroer o espírito crítico estudantil. A dimensão lúdica e a diversão são inerentes à condição juvenil. Quando ocorrem em ambientes de boémia e de irreverência, tornam-se fatores decisivos de revitalização da democracia e da cidadania ativa. Mas a atual tendência revela que os excessos da praxe se conjugam com o esvaziamento da consciencialização cívica e política dos estudantes na sua grande maioria.

– Quais as principais conclusões deste ensaio?

EE: Como conclusão, o estudo mostra que a praxe é um fenómeno sociológico complexo e rico na revelação de tendências sociais mais profundas. Enquanto no passado (as lutas académicas dos anos 1960s em Coimbra, por exemplo) a tradição ritualista e a própria praxe foram usadas para dissimular a ação política dos grupos mais conscientes nas luta contra o regime de então, hoje, em democracia, a entrega desmedida a estes rituais revela uma juventude alheada da vida cívica e política. Inclusive amplamente desinteressada da política universitária.  A praxe é vivida como um fator de diversão e de integração pela maioria dos estudantes. Nesse contexto se forjam as amizades mais fortes e se constrói um certo sentido de inserção e de segurança subjetiva, a comprovar que o indivíduo, a pessoa, não pode prescindir do coletivo para estruturar a sua identidade. A entrega às praxes resulta da necessidade incontornável, por parte do “caloiro”, de se tornar parte integrante da comunidade académica. Acresce que o “sofrimento” momentâneo e a aceitação do poder do mais velho tornam-se um jogo em que a “vítima” de hoje será compensada pela inversão de papéis no ano letivo seguinte. Uma das hipóteses interpretativas que fica no ar é a interrogação sobre uma (eventual) correlação entre a capacidade de mobilização e a adesão massiva às praxes, por um lado, e a indiferença em relação à vida pública e à intervenção sociopolítica, por outro.

Praxe e tradições académicas

A obra “Praxe e Tradições Académicas” vai ser lançada em Coimbra em dois momentos, através de dois debates.

O primeiro, a 19 de outubro, pelas 17 horas no Café santa Cruz, reúne o docente e historiador Rui Bebiano, o antigo reitor da Universidade de Coimbra, Fernando Seabra Santos, o presidente da Direção-geral da Associação Académica de Coimbra, José Dias, o representante da editora Francisco Manuel dos Santos, António Araújo, e o autor. O segundo debate realiza-se na Faculdade de Economia da UC, no Auditório, a 2 de novembro, pelas 16 horas e conta com a participação do historiador do Centro de Estudos Sociais da UC, Miguel Cardina, do docente da FEUC, Filipe Almeida, dos vários presidentes dos núcleos de estudantes da FEUC e do autor.

Partilhe