Estudo conclui que nem todos os deltas identificados em Marte são verdadeiros

22 janeiro, 2020≈ 5 mins de leitura

© UC | Cristina Pinto

Um estudo liderado por David Vaz, da Universidade de Coimbra (UC), e Gaetano Di Achille, do Instituto Nacional de Astrofísica de Itália (INAF), apresenta novos dados para o debate sobre as implicações climáticas, hidrogeológicas e astrobiológicas dos depósitos sedimentares deltaicos em Marte.

Nas duas últimas décadas, dezenas de possíveis depósitos sedimentares deltaicos foram identificados na superfície de Marte, tendo a sua formação sido atribuída à existência de antigos lagos e rios marcianos. Esse tipo de depósito sedimentar é considerado uma das principais evidências para sustentar a ideia de que, no passado, Marte apresentava condições climáticas mais favoráveis que permitiram a presença de água líquida no planeta.

No entanto, o estudo agora publicado na revista científica Earth and Planetary Science Letters conclui que não é bem assim, ou seja, uma grande parte dos depósitos anteriormente identificados no planeta vermelho não é de origem deltaica (os deltas formam-se pela acumulação de sedimentos transportados pelos rios), ao contrário do que a comunidade científica defendia.

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Mapa global de Marte com a localização dos 60 depósitos sedimentares considerados no estudo; (b, c) esquema exemplar da lógica da investigação: se a bacia que recebe os sedimentos não é ocupada pela água, o volume dos sedimentos erodidos no vale (Vv) é comparável ao do depósito (Vf) que se forma onde o fluxo perde energia, enquanto se a bacia recetora estiver permanentemente cheia de água, parte substancial dos sedimentos transportados em suspensão no rio são dispersos para além da foz, tornando o volume do delta (Vf) menor do que o erodido no vale (Vv).

A partir de topografia de alta resolução fornecida por imagens de missões espaciais europeias e americanas, os investigadores analisaram 60 depósitos sedimentares de diferentes zonas de Marte e, com surpresa, verificaram que apenas «30 por cento são realmente deltas, ou seja, depósitos associados a ambientes subaquáticos e que consequentemente indicam de facto a existência de lagos e de uma maior quantidade de água. A maioria deles terá uma origem diferente, tendo-se depositado em ambientes principalmente subaéreos, ou seja, existiram menos lagos do que se pensava em Marte», afirma David Vaz, investigador do Centro de Investigação da Terra e do Espaço (CITEUC) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC).

Estes depósitos sedimentares que não têm origem deltaica «podem ser produto de atividade hidrológica efémera e transitória gerada por mecanismos locais, ligados, por exemplo, a atividade vulcânica, tectónica, impacto de meteoritos ou cometas, que poderiam ter derretido o gelo subterrâneo, gerando fluxos de água», esclarece.

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Vale e depósito sedimentar localizado na região de Terra Cimmeria, este é um exemplo do tipo de depósitos que não se formaram por processos fluvio-deltaicos (crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS).

Segundo o investigador do CITEUC, as conclusões deste trabalho são um contributo importante para futuras missões espaciais, pois «são indicadores geomorfológicos importantes para a escolha de locais ideais para missões com objetivos astrobiológicos, sugerindo que muitos dos possíveis lagos anteriormente identificados como tal deveriam ser cuidadosamente reanalisados para excluir a ocorrência de mecanismos locais que geraram atividade hidrogeológica efémera, não necessariamente associada a um clima global favorável à presença estável de água líquida durante longos períodos de tempo».

Por outro lado, sublinha David Vaz, os resultados deste estudo trazem novos elementos para a discussão sobre a evolução climática em Marte, sugerindo que «a formação dos verdadeiros deltas poderá ter sido mais limitada no espaço e no tempo».

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Vale e depósito sedimentar localizado na cratera de Eberswalde, o estudo confirmou que este depósito é muito provavelmente um delta formado num antigo lago (crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS).

Para caracterizarem os depósitos sedimentares, os investigadores efetuaram um balanço volumétrico entre os sedimentos erodidos (estimando o volume dos vales formados pela ação dos rios no passado) e os volumes depositados nos possíveis deltas. «Esse balanço foi utilizado como indicador para decifrar os mecanismos sedimentares predominantes durante a formação dos depósitos», remata David Vaz.

O artigo pode ser consultado em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0012821X19307447?dgcid=author .

Cristina Pinto
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