Estudo internacional revela novos dados sobre a história genética das ilhas do Mediterrâneo

24 fevereiro, 2020≈ 6 mins de leitura

Daniel Fernandes, do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) e do Departamento de Antropologia Evolutiva da Universidade de Viena (Áustria), é o principal autor de um estudo internacional, publicado hoje na revista Nature Ecology & Evolution, que apresenta novas descobertas sobre a história genética das ilhas do Mediterrâneo, mostrando que as migrações marítimas do norte de África começaram muito antes da era das civilizações marítimas do Mediterrâneo oriental e, além disso, ocorriam em várias partes do Mediterrâneo.

O mar Mediterrâneo tem sido uma rota importante para migrações marítimas, além de palco de frequentes trocas comerciais e invasões durante a pré-história, porém a história genética das ilhas do Mediterrâneo não está bem documentada, apesar dos recentes desenvolvimentos no estudo de ADN antigo.

O estudo agora publicado, que envolveu mais de meia centena de cientistas das universidades de Viena (Áustria), Harvard (EUA) e Florença (Itália), preenche as lacunas existentes com o maior estudo até hoje da história genética de populações antigas da Sicília, Sardenha e ilhas Baleares, aumentando a análise do número de indivíduos de 5 para 66.

Os resultados revelam um padrão complexo de imigração da África, Ásia e Europa, variando em trajeto e época para cada uma dessas ilhas. «Por exemplo, vimos que a expansão comercial da civilização micénica em direção ao oeste durante o Bronze Medio incluiu também eventos de imigração para a Sicília. Também identificámos movimentos de indivíduos provavelmente originários da Península Ibérica para a Sicília, levando consigo uma nova ancestralidade, com origem na estepe pôntico-cáspia (acima do Mar Morto), que poucos séculos antes por sua vez tinha sido introduzida na Península Ibérica por populações do centro da Europa. Estes movimentos originários na Península podem também ter influenciado a colonização das ilhas Baleares, visto que o indivíduo mais antigo identificado na ilha de Maiorca possuía grandes quantidades desta ancestralidade» relata Daniel Fernandes.

No caso da Sardenha, surpreendentemente, a história é diferente, diz o autor principal do artigo científico: «apesar dos intensos contactos comerciais com outros povos durante o Calcolítico (ou idade do Cobre) e a idade do Bronze, não detetámos nenhuma influência genética externa significativa, ou seja, os antigos sardenhos conservavam um perfil de ascendência neolítica predominantemente local até o final da idade do Bronze».

A exceção foi «um indivíduo do Calcolítico com ancestralidades ligadas ao norte de África, demonstrando claramente que existiram migrações marítimas pré-históricas através do mar Mediterrâneo do norte de África para locais no sul da Europa, afetando mais de 1% dos indivíduos descritos na literatura ancestral de ADN dessa região até hoje», observa.

Outra conclusão relevante do estudo é o facto de, apesar da presença de diferentes grupos a partir da idade do Ferro, «os habitantes modernos da Sardenha mantiveram entre 56% a 62% de ascendência dos primeiros agricultores neolíticos que chegaram à Europa há cerca de 8000 anos. É a percentagem mais elevada de ancestralidade neolítica identificada em qualquer população europeia», destaca Daniel Fernandes.

Para David Reich, coautor sénior da Universidade de Harvard e também investigador no Broad Institute do MIT, «uma das descobertas mais impressionantes foi sobre a chegada de ascendentes das estepes do norte dos mares Negro e Cáspio a algumas ilhas do Mediterrâneo. Embora a origem definitiva dessa ascendência tenha sido a Europa oriental, nas ilhas do Mediterrâneo a mesma chegou pelo menos em parte do oeste, principalmente da Península Ibérica».

«Provavelmente foi esse o caso das ilhas Baleares, nas quais alguns habitantes iniciais tinham provavelmente pelo menos parte da sua ascendência na Ibéria», acrescenta Daniel Fernandes.

Ainda segundo o investigador português, as conclusões deste estudo ajudam «a entender e enquadrar os movimentos de indivíduos no Mediterrâneo ocidental durante períodos de alta intensidade comercial, como foram as idades do Bronze e Ferro. Tais movimentos não envolveram apenas comércio bidirecional, mas também casos de imigração para algumas das ilhas com variadas origens».

Além disso, conclui, «o nosso artigo publicado abre caminho para futuros estudos se debruçarem em ainda maior detalhe nos movimentos dos períodos como as expansões gregas, fenícias, e mesmo romanas».

O artigo científico, intitulado “The spread of steppe and Iranian-related ancestry in the islands of the western Mediterranean”, pode ser consultado em: https://www.nature.com/articles/s41559-020-1102-0

 

 

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Daniel Fernandes pertence ao Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e ao Departamento de Antropologia Evolutiva da Universidade de Viena (Áustria)

 

Cristina Pinto
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