Investigadores da UC participam em estudo sobre a alimentação de espécie de ave migradora de longo curso ameaçada

O estudo internacional colocou a questão se "os arrozais fornecem energia suficiente para o maçarico-de-bico-direito voar entre Portugal e o Norte da Europa?"

27 março, 2017≈ 4 mins de leitura

© DR | Jacinto Policarpo

Com a alteração dos habitats naturais pela pressão humana, o maçarico-de-bico-direito (Limosa limosa), uma espécie de ave migradora de longo curso ameaçada, foi obrigado a mudar a sua alimentação.

A crescente influência antropogénica registada nos habitats estuarinos está associada à alteração de comportamento desta espécie, que todos os anos voa entre Portugal e o Norte da Europa, nomeadamente a Holanda.

Assim, nas últimas décadas, o maçarico-de-bico-direito passou a alimentar-se nos arrozais do Vale do Tejo. Mas será que esta nova dieta fornece energia suficiente para garantir o voo direto até ao destino final ou, pelo contrário, pode colocar em risco o ciclo migratório destas aves?

se, por ventura, se decidir converter os arrozais em pastagens ou algo similar, por exemplo, metade desta população de aves pode desaparecer

Um estudo, realizado por oito investigadores portugueses e espanhóis, permitiu descobrir que o maçarico-de-bico-direito consegue tirar do arroz a energia necessária para efetuar o voo sem sobressaltos, revelando uma «plasticidade fisiológica e metabólica impressionante. Estas aves conseguem usar o arroz, de forma eficaz, para armazenar gordura. E fazem-no através de várias vias metabólicas diferentes para assegurar a sua migração», revela Miguel Araújo, investigador do MARE (Centro de Ciências do MAR e do Ambiente) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) e um dos coautores do estudo publicado na prestigiada revista científica Journal of Experimental Biology.

A investigação foi realizada com maçaricos-de-bico-direito capturados em campos de arroz do Tejo durante o inverno, altura em que se encontram a preparar a sua migração. Os investigadores dividiram as aves em dois grupos, aplicando-lhes dietas diferentes: uma à base de larvas, tipo de alimentação que encontrariam nos habitats naturais, e outra com arroz.

Alguns dias depois, a equipa que, além do MARE, envolveu investigadores do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC), do Centro de Ecologia Funcional (CEF), ambos da Universidade de Coimbra, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro, e da Universidade de Extremadura (UEX), Espanha, avaliou a capacidade das aves em transformar os grãos de arroz em energia (massa gorda).

Os resultados do estudo evidenciam que o maçarico-de-bico-direito, uma espécie que decresceu 75 por cento nas últimas cinco décadas devido à destruição dos ecossistemas naturais, é «um excelente exemplo de adaptação a um habitat antropogénico. Para garantir a sua sobrevivência, esta espécie ajustou-se com sucesso a um novo tipo de alimentação, conseguindo “combustível” para efetuar o voo sem escalas até ao destino final», simplifica Miguel Araújo.

O estudo chama também a atenção para o facto de ser necessário pensar na conservação destes habitats: «se, por ventura, se decidir converter os arrozais em pastagens ou algo similar, por exemplo, metade desta população de aves pode desaparecer, pois 50% usa os arrozais do Tejo para adquirir o combustível necessário à sua migração», assevera o investigador da FCTUC.

O artigo está disponível em: http://jeb.biologists.org/content/jexbio/220/6/1072.full.pdf?ijkey=WjKlqrznhI2EKBj&keytype=finite

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