Poluição luminosa e propagação da luz artificial na atmosfera influenciam o relógio biológico humano

Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young, receberam o Nobel da Medicina pelas suas descobertas dos mecanismos moleculares que controlam os ritmos circadianos.

04 outubro, 2017≈ 5 mins de leitura

© DR

A 2 de outubro, o Comité Nobel da Fisiologia ou Medicina anunciou o Prémio de Medicina de 2017, atribuído a três investigadores, Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young, pelas descobertas dos mecanismos moleculares que controlam os ritmos circadianos.

Mas o que são os ritmos circadianos e como influenciam a vida das pessoas? “O ritmo circadiano – ou circadiário, que significa “cerca de um dia” – é o relógio biológico do ser humano e da maior parte dos seres vivos. Desde os primórdios da vida na Terra que os organismos funcionam num regime dia-noite de aproximadamente 24 horas, ou seja, claridade–escuridão, com um conjunto de funções biológicas específicas e distintas tomando lugar de dia ou de noite”, explica o investigador do Centro de Investigação da Terra e do Espaço da Universidade de Coimbra (CITEUC), Raul Cerveira Lima.

A poluição luminosa, a propagação da luz na atmosfera, a medição e análise da luz ambiente em sítios e o estudo dos impactos da luz têm sido algumas das matérias de investigação no CITEUC.

“O crescimento demográfico mundial, aliado a uma ausência de valorização dos impactos da poluição luminosa – o que levou a práticas inadequadas de iluminação pública, privada e cénica –, deu origem à situação actual, onde o céu nocturno nunca esteve tão iluminado, a um nível global” salienta o investigador. Raul Cerveira Lima acrescenta ainda que “Portugal não é excepção, apesar da relativa estagnação do crescimento demográfico. No caso das cidades, por exemplo, a noite escura deixou de existir”.

Para o investigador, as consequências não são exclusivas da astronomia profissional. Raul Cerveira Lima refere que a poluição luminosa tem diversos impactos no excesso de luz artificial à noite na fauna e na flora, além de impactos na economia, no uso de recursos naturais supérfluos e consequente contribuição para as alterações climáticas. “Não menos importante, estão em estudo diversos efeitos patológicos prováveis no ser humano, sendo cada vez maior o número de artigos científicos publicados nesta área, relevando o interesse crescente na relação entre luz, ritmos circadianos e patologias”, finaliza Raul Cerveira Lima.

Segundo a diretora da Clínica Universitária de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), Leonor Gomes, a saúde e bem-estar são afetados quando há uma desregulação e disrupção entre o meio ambiente externo e o relógio biológico interno. “Este processo pode ser pontual, como são exemplo as perturbações causadas pelos diferentes fusos horários que uma pessoa que viaja atravessa (jet lag), ou crónico podendo levar à interrupção da normal fisiologia e surgimento da doença”, refere. “Nos humanos o desalinhamento circadiano induzido pela privação do sono tem sido associado a marcadores de resistência à insulina e inflamação podendo levar a doenças metabólicas (obesidade e diabetes mellitus), doenças neurodegenerativas ou cancro. Por outro lado, estados fisiológicos como o envelhecimento, e as próprias doenças podem também afetar o ritmo circadiano”, explica Leonor Gomes.

Para a docente da FMUC, o conhecimento do relógio biológico abre uma oportunidade para tratamentos baseados na ritmicidade circadiana. “Várias abordagens genéticas atuando nos genes reguladores dos relógios biológicos associadas a técnicas comportamentais poderão modificar hábitos errados de sono e de comportamento alimentar”. De acordo com Leonor Gomes, a “cronoterapia tem sido tentada em diversas áreas, como no restabelecimento do ritmo circadiano e do sono, hipertensão arterial, artrite reumatoide, doenças inflamatórias, depressão e cancro. O valor da sua eficácia requer estudos mais aprofundados e de maior evidência científica”, finaliza a responsável.

 

Texto de Karine Paniza e Marta Costa
Partilhe