Prémio CES para Jovens Cientistas Sociais de Língua Portuguesa atribuído ao historiador Alexandre Marcussi

Alexandre Marcussi venceu com o trabalho "Cativeiro e Cura - Experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIII".

19 julho, 2017≈ 6 mins de leitura

Alexandre Marcussi é o vencedor da 10ª edição do Prémio CES para Jovens Cientistas Sociais de Língua Portuguesa. O historiador venceu com o trabalho “Cativeiro e Cura – Experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIII”.

O júri deliberou ainda atribuir três menções honrosas aos trabalhos “O Serviço Doméstico Sob Os Holofotes Públicos: alterações na articulação entre trabalho produtivo e reprodutivo no Brasil”, de Alexandre Fraga, “Crise, austeridade e ação coletiva: experiências de aprendizagem crítica com Teatro do Oprimido”, de Inês Barbosa, e “A Formação do Precariado. Transformações no Trabalho e Mobilizações de Precários em Portugal”, de José Soeiro.

O Júri da 10ª edição do Prémio CES para Jovens Cientistas Sociais de Língua Portuguesa foi constituído por Cristiana Bastos (Instituto de Ciências Sociais), José Castiano (Universidade Pedagógica de Moçambique), José Neves (Universidade Nova de Lisboa), Raquel Maria Rigotto (Universidade Federal do Ceará), e presidido pelo Diretor do CES, Boaventura de Sousa Santos.

No valor de 5 mil euros, a presente edição do Prémio CES é financiada pela Fundação Calouste Gulbenkian.

O Prémio CES é atribuído de dois em dois anos e foi instituído pelo Centro de Estudos Sociais com o intuito de conferir o devido realce à produção científica de jovens investigadores/as de língua portuguesa no âmbito das Ciências Sociais e Humanidades, promovendo assim o reconhecimento de estudos que contribuam, pelo seu excecional mérito, para o desenvolvimento das comunidades científicas de língua portuguesa.

 

Sobre o vencedor
Alexandre Almeida Marcussi – Historiador, desenvolve trabalho na área de história cultural da escravidão e de África, com Mestrado (2010) e Doutorado (2015) em História Social pela Universidade de São Paulo. É professor de História da África na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desde 2016, tenso igualmente efetuado investigação na área do património cultural. Alguns dos temas relevantes na sua produção académica incluem Religiões Afro-Brasileiras, História da Cultura Afro-Americana, História de Angola, História do Brasil Colonial, Historiografia e Antropologia das Culturas Afro-Americanas.

 

Sobre o trabalho premiado
«Cativeiro e Cura – Experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIII»
O trabalho premiado consiste numa análise das práticas religiosas de origem africana conhecidas como calundus, denominação aplicada a cerimónias bastante disseminadas na América portuguesa entre os séculos XVII e XVIII, frequentadas por africanos, afrodescendentes e brancos. Os calundus possuíam funções eminentemente divinatórias e terapêuticas, e as suas origens culturais remontavam às práticas religiosas das sociedades ambundas e bacongas da África Centro-Ocidental. Partindo da análise de um processo movido pela Inquisição de Lisboa contra Luzia Pinta, praticante de calundus na região de Sabará, Minas Gerais, em meados do século XVIII, esta pesquisa intenta esclarecer os sentidos sociais e simbólicos dessa prática terapêutica afro-luso-americana.
O caso de Luzia Pinta é abordado de forma mais verticalizada, mas também é comparado a outras ocorrências de calundus registradas nos territórios da Bahia e de Minas Gerais entre os séculos XVII e XVIII, com o intuito de compor uma análise mais abrangente a respeito dessa prática devocional. A descrição morfológica dos calundus procura ressaltar a sua heterogeneidade formal e a fluidez de suas fronteiras em relação a outras práticas religiosas do universo cultural lusoamericano. A análise de sua simbologia subjacente evidencia que a categoria cosmológica que fundamentava essa prática devocional era a ancestralidade, na medida em que o rito consistia numa tentativa de reatar os laços espirituais entre os africanos e seus antepassados, rompidos pelas dinâmicas do comércio de escravos.
A tese empreende também uma discussão a respeito dos papéis ocupados por essa prática religiosa na sociedade imperial portuguesa, abordando as relações que os calundus e seus praticantes mantinham com alguns dos principais fenómenos e instituições que estruturavam a sociedade luso-americana, como a religião católica e a escravidão. Pretende-se evidenciar como, entre os séculos XVII e XVIII, os calundus codificaram uma complexa visão de mundo elaborada pelos centro-africanos na América, por meio da qual eles manifestaram sua perspetiva a respeito da escravidão e elaboraram projetos políticos alternativos ancorados em uma consciência histórica utópica. A perspetiva africana sobre o cativeiro, representada pela terapêutica dos calundus, configurou uma importante ameaça simbólica contra a ideologia que legitimava moralmente a existência da escravidão na América portuguesa a partir de um discurso construído usando as categorias da teologia católica.
A tese pretende analisar os embates entre calunduzeiros e instituições de repressão religiosa como aspetos de um debate político, intelectual e ideológico, travado no idioma da religião, que dizia respeito à existência e à legitimidade do cativeiro no mundo imperial português.

 

Publicado por: Milene Santos
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