É impossível entrar no Jardim Botânico da Universidade de Coimbra (JBUC) e não reparar na imponente estufa que se ergue logo do lado direito da escadaria junto à entrada pelos Arcos do Jardim.
Nos últimos anos talvez a atenção se tenha virado para a estufa pela azáfama das obras que faziam antever que algo se estava a passar dentro do edifício.
As obras de requalificação chegaram ao fim e agora é tempo de usufruir de um dos mais belos espaços da Universidade de Coimbra (UC). Mas voltemos atrás no tempo para sabermos um pouco mais sobre a história das estufas.
Paralela à constituição do próprio Jardim Botânico, existiu sempre a intenção de construir uma estufa de grandes dimensões. Ao longo dos séculos foram criadas algumas estruturas e apresentados vários projetos, alguns deles tão ambiciosos que acabariam por nunca se concretizar na sua totalidade devido a limitações financeiras, em particular na época pombalina.
Na verdade, foram precisos quase 100 anos desde a fundação do Jardim Botânico para que nascesse a Estufa Grande que, durante os 13 anos desde a apresentação do projeto até à sua conclusão, encontrou diversos obstáculos.
António Gouveia, diretor do Jardim Botânico, confirma isso mesmo: “esta estufa, que foi concluída em 1866 e que demorou mais de dez anos a ser construída, foi um edifício ansiado durante quase um século pelos vários diretores que precisavam de um espaço para o crescimento de plantas delicadas”.
A construção da Estufa Grande iniciou-se em 1859, volvidos 154 anos, já em 2013, arrancou uma das mais profundas intervenções de que foi alvo. O atual diretor do Jardim não tem dúvidas de que a requalificação da estrutura era essencial “para a missão de investigação e conservação do Jardim Botânico, mas também para a divulgação do conhecimento sobre o mundo das plantas”. Adequar a estufa às necessidades do século XXI, em termos energéticos e de sustentabilidade, era um dos grandes objetivos, sem esquecer a missão de “recuperação do património histórico”, refere ainda António Gouveia.
O diretor adianta que algumas das mais valias da recente intervenção foram a recuperação do edifício e da estrutura de ferro e de vidro, a recuperação da plataforma que rodeia as estufas, a criação de um novo edifício com instalações sanitárias, as novas salas de controlo técnico da estufa e também um espaço de divulgação de ciência e de apoio às atividades. Quer pela substituição dos vidros por vidros termicamente mais eficientes, quer pela instalação de uma nova caldeira que utiliza resíduos vegetais do jardim, a estufa é hoje muito mais eficiente ao nível energético e de custos.
O projeto de requalificação das estufas do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra é da autoria do arquiteto João Mendes Ribeiro, que procurou preservar as características de um dos primeiros exemplos da arquitetura do ferro em Portugal. Para o arquiteto tratou-se essencialmente de um projeto de reabilitação e restauro, “reabilitar esta estrutura pré-existente, mas sobretudo dotá-la de uma rede de infraestruturas compatíveis com os dias de hoje”.
Segundo João Mendes Ribeiro, um dos principais desafios do projeto foi a questão do sombreamento da estufa que acabou por ser solucionado com a aplicação de cortinas pelo interior. Um problema no presente que encontrou solução no passado. Durante as investigações encontraram-se gravuras do princípio do século XX em que se percebia que a estufa “era um edifício transparente, não era caiado, e que tinha também um sistema de cortinas pelo interior”. No fundo, “uma tentativa de resolver aspetos de infraestruturas para os dias de hoje que retoma uma imagem histórica”, acrescenta.
A
estufa está agora altamente modernizada. Tem sensores que medem o grau de humidade e a temperatura. “Os mecanismos de abertura de estores, de pulverizar o ar, de abertura de janelas, é tudo feito automaticamente”, revela o arquiteto.
Outra das grandes novidades é a introdução da Victoria Regia, conhecida como a rainha dos nenúfares, no corpo central da estufa. “Sendo a planta ícone do Jardim Botânico deveria ganhar uma centralidade nas estufas tropicais”, afirma João Mendes Ribeiro.
O projeto de requalificação das Estufas Tropicais venceu, em 2017, o Prémio Nacional de Reabilitação Urbana, na categoria de Melhor Intervenção com Impacto Social. Para João Mendes Ribeiro a inspiração para o trabalho veio do próprio edifício, “eu gosto muito de trabalhar a partir de pré-existências porque são a matéria do próprio projeto”. “Conhecer muito bem o edifício, a sua história e depois, no terreno e na obra, tentar interpretar alguns dados que vão aparecendo”, são para o arquiteto fatores chave.
Durante as obras, as plantas da estufa tiveram de ser retiradas e foram mantidas num viveiro de manutenção. Grande parte da coleção foi renovada e, por isso, as plantas estão ainda em crescimento e expansão.
Na estufa podemos encontrar plantas das florestas tropicais de chuva, espécies aquáticas e plantas tropicais de importância para as sociedades humanas.
“As pessoas vão poder acompanhar o crescimento de uma coleção vegetal dentro de uma estufa, que pode inicialmente não ter o aparato ou a dimensão que as pessoas esperam, mas que tem sempre um ponto de interesse pelas plantas que nela crescem e que têm histórias para contar”, revela o diretor António Gouveia.
Com casa nova, as plantas regressam agora à estufa e esta reabre ao público. Numa primeira fase as visitas serão feitas com marcações, num processo semelhante a outros edifícios inseridos no circuito turístico da Universidade de Coimbra.
Recorde-se que o projeto de requalificação das estufas do Jardim Botânico se insere numa empreitada maior que permitiu também a abertura da mata do jardim. De acordo com o diretor do JBUC, “o jardim passou de quatro hectares e meio para quase 14 hectares abertos ao público”.
Com um investimento total de dois milhões de euros, financiados pelo programa QREN/Mais Centro, o projeto assume particular importância na preservação do património da Universidade de Coimbra.
Texto: Milene Santos e F. Fernandes
Texto da Cronologia: Jardim Botânico da Universidade de Coimbra
Vídeos: F. Fernandes e Milene Santos
Design da página web: F. Fernandes
Fotografias: Paulo Amaral