Estudo que analisou rastreios oncológicos em 30 países europeus revela que mulheres com menor rendimento continuam a participar menos no rastreamento

O artigo científico destaca ainda a sobreutilização e a subutilização extrema nos rastreios de cancro da mama e do colo do útero.

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Catarina Ribeiro
03 novembro, 2022≈ 6 mins de leitura

Carlota Quintal e Micaela Antunes, investigadoras da Universidade de Coimbra.

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Um estudo da Universidade de Coimbra (UC) que analisou a participação de mulheres de 30 países europeus em rastreios do cancro da mama (com realização de mamografia) e do cancro do colo do útero (através de citologia) revela que continua a prevalecer grande desigualdade na realização destes rastreios entre mulheres com maior e menor rendimento. O artigo científico destaca ainda situações de sobreutilização (realização excessiva de exames) e de subutilização extrema (ausência de qualquer exame), em mulheres que integram os grupos-alvo que devem ser sujeitos a rastreamento com regularidade.

As conclusões foram apresentadas no artigo científico “Mirror, mirror on the wall, when are inequalities higher, after all? Analysis of breast and cervical cancer screening in 30 European countries”, publicado na revista Social Science & Medicine, desenvolvido por Carlota Quintal e Micaela Antunes, investigadoras do Centro de Investigação em Economia e Gestão (CeBER) e docentes da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC).

Sobre a relevância da condução deste estudo científico, Carlota Quintal destaca que «há evidência de que os rastreios do cancro da mama e do colo do útero estão fortemente associados à redução na morbilidade e mortalidade relacionadas com o cancro, sendo relevante monitorizar as taxas de participação entre os grupos-alvo, bem como as desigualdades».

«A nível mundial, o cancro da mama é o tipo de cancro mais prevalente entre as mulheres, enquanto o cancro do colo do útero é o quarto cancro mais comum entre as mulheres», contextualiza a investigadora. Segundo os dados mais recentemente publicados no International Journal of Cancer, «cerca de 2.1 milhões e 570 mil novos casos foram diagnosticados em 2018, respetivamente; e apesar da menor incidência do cancro do colo do útero quando comparada com a do cancro da mama, o primeiro foi responsável por 311.4 milhares de mortes em 2018, cerca de metade das mortes (626.7 mil) provocadas pelo cancro da mama no mesmo ano», acrescenta.

Com recurso a dados disponibilizados pelo European Health Interview Survey sobre rastreios do cancro da mama e do colo do útero realizados entre 2013 e 2015, as investigadoras da Universidade de Coimbra analisaram o rastreamento em 30 países: Áustria, Bélgica, Bulgária, Croácia, Chéquia, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Noruega, Países Baixos, Polónia, Portugal, Reino Unido, Roménia e Suécia.

Entre os países analisados, Bulgária e Roménia destacam-se com baixos níveis de participação e elevada desigualdade no acesso entre mulheres com maior e menor rendimento. Quanto aos países com maiores taxas de participação, na mamografia destacam-se Suécia, França e Finlândia, e na citologia destacam-se Chéquia, Áustria e Luxemburgo.

No caso de Portugal, «apresenta uma das mais elevadas taxas de participação no caso da mamografia no grupo-alvo (entre os 50 e os 69 anos), logo a seguir à Finlândia, sem sinais de desigualdade, quer no caso do rastreio dentro do intervalo recomendado (2 anos), quer no da subutilização extrema; sendo menos favoráveis os resultados relativos à realização de citologia», explica Micaela Antunes. Contudo, Portugal «surge no grupo de países com provável sobreutilização (percentagem de mulheres a realizar exame nos últimos 12 meses acima do valor esperado), fenómeno este concentrado nas mulheres com mais rendimento», sublinha a docente da Faculdade de Economia da UC.

Sobre a frequência da realização destes exames de rastreio, Carlota Quintal sublinha que «os resultados são muito claros em relação à subutilização extrema (mulheres no grupo-alvo que nunca fizeram exame), encontrando-se estes casos concentrados nas mulheres mais pobres». Por outro lado, «a análise é também clara quanto à sobreutilização (relacionada com a frequência excessiva de exames médicos) em ambos os rastreios, sendo um fenómeno generalizado na Europa. Em alguns países, parece ser transversal a todos os grupos de rendimento; noutros, é um fenómeno associado a mulheres com mais rendimento», destaca.

Quanto a novas linhas de investigação que o estudo pode vir a levantar, Micaela Antunes reitera a importância de «dar mais atenção às diversas situações identificadas neste quadro de análise, nomeadamente, a subutilização extrema nas faixas etárias próximas da idade limite definida para os rastreios – estas são mulheres em risco de transitarem para a situação que definimos como ‘oportunidade perdida’». A investigadora nota ainda que «a sobreutilização, relacionada quer com a frequência de rastreio superior à recomendada, quer com a realização do rastreio antes ou depois da idade recomendada, deve ser investigada, não só pelo desperdício de recursos que a sobreutilização representa, mas também pela necessidade de assegurar que as mulheres estão a fazer escolhas informadas».

O artigo científico está disponível aqui.