Investigação da UC aplica intervenção que promove melhorias na saúde mental da comunidade escolar

Os resultados revelam que a intervenção teve impactos na promoção da compaixão e do bem-estar e na redução de sintomas de depressão, de ansiedade e stress, de burnout e do sofrimento psicofisiológico dos professores.

CR
Catarina Ribeiro
06 junho, 2022≈ 3 mins de leitura

Uma equipa da Universidade de Coimbra (UC) está a desenvolver um projeto de investigação junto da comunidade escolar para avaliar a viabilidade e a eficácia de um programa de intervenção focado na compaixão na melhoria da saúde mental e do bem-estar dos vários agentes da comunidade educativa, nomeadamente, pessoal docente e não docente, alunos e pais. O projeto de investigação “Escolas Compassivas” pretende promover o bem-estar e a saúde mental de toda a comunidade escolar e contribuir para o desenvolvimento e a sustentabilidade de uma cultura escolar mais cooperante, compassiva e resiliente, suportada por todos os agentes educativos.

Os resultados, já publicados em dois estudos, revelam que a intervenção focada na compaixão que foi implementada a professores – o Treino da Mente Compassiva para Professores (Compassionate Mind Training for Teachers) – é viável e altamente promissora. Revelou-se eficaz na promoção da compaixão (em relação ao eu e aos outros) e do bem-estar e na redução de sintomas de depressão, de ansiedade e stress, de burnout e do sofrimento psicofisiológico dos professores. A equipa de investigação estima que esta intervenção possa ser implementada a nível nacional, para que professores e psicólogos de escolas portuguesas possam também utilizá-la, depois de devidamente formados, com vista à promoção do bem-estar e da saúde mental dos professores. A implementação desta intervenção no âmbito destes dois estudos foi realizada junto de cerca de 200 professores, de escolas de meios urbanos, semiurbanos e rurais da Região Centro (Coimbra, Nelas, Satão e Viseu), que têm inscritos alunos de diferentes perfis socioeconómicos e comportamentais.

A investigação é liderada por Marcela Matos, investigadora doutorada da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) e do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo Comportamental (CINEICC). Integra o projeto internacional “Escolas Compassivas”, financiado pela Reed Foundation e pela Compassionate Mind Foundation, que arrancou no final de 2017. O projeto tem vindo a ser implementado em Portugal e no Reino Unido. A aplicação do estudo nestes dois territórios distintos tem decorrido para “perceber a viabilidade e a eficácia não apenas nos dois países, individualmente, mas também em termos transculturais, entendendo em que medida é que este mesmo programa se mostra eficaz quando aplicado em países com sistemas educativos diferentes”, salienta Marcela Matos.

O Treino da Mente Compassiva é uma intervenção focada na compaixão, que é parte integrante de uma abordagem psicoterapêutica chamada Terapia Focada na Compaixão (Compassion Focused Therapy), desenvolvida por Paul Gilbert (Universidade de Derby, Reino Unido). “É uma abordagem biopsicossocial, evolucionária, baseada em evidências, que pode ser aplicada não apenas a populações clínicas, mas à população em geral e a grupos específicos”, refere Marcela Matos. A investigadora da UC explica que esta intervenção “pretende que as pessoas desenvolvam competências sociais, cognitivas, emocionais e comportamentais associadas à sua motivação/capacidade para a compaixão, desenvolvendo e treinando competências para serem mais compassivas para com elas mesmas, mais compassivas para com os outros, estarem mais disponíveis para receber ajuda e suporte por parte dos outros e a serem menos autocríticas”.

Nesta intervenção grupal, pretende-se desenvolver e estimular sistemas biofisiológicos específicos associados ao bem-estar e à forma como o nosso corpo responde ao stress, e treinam-se competências de regulação das emoções (como os estados emocionais negativos, que emergem perante as dificuldades da vida), formas de estar nas relações interpessoais (nomeadamente, no contexto profissional), como também competências comportamentais para lidar de forma adaptativa com as dificuldades e os desafios da vida. O Treino da Mente Compassiva é aplicado com recurso a psicoeducação e a um conjunto de exercícios e de práticas experienciais baseadas no mindfulness, no treino da atenção, em práticas de imaginação focadas na compaixão e em exercícios comportamentais, estimulando momentos de partilha e de reflexão.

Em termos científicos, e de acordo com esta abordagem, a compaixão é “uma sensibilidade ao sofrimento, no próprio e nos outros, a par de um profundo compromisso para tentar aliviar ou prevenir este sofrimento”. Envolve “coragem, para nos aproximarmos e lidarmos com o sofrimento, e sabedoria e compromisso, para desenvolvermos competências para lidar com as situações difíceis”, frisa a investigadora.

No âmbito do projeto “Escolas Compassivas”, foram já publicados dois estudos nas revistas científicas Mindfulness e PLoS One, que atestam a viabilidade e eficácia do Treino da Mente Compassiva para Professores. A coordenadora da investigação destaca o facto de os professores terem recebido bem esta intervenção, tendo sido avaliada “como sendo implementada com elevada qualidade e como sendo uma intervenção útil para a sua vida pessoal e profissional”. A investigadora explica que os dados colhidos nas intervenções, agora publicados, revelam o aumento do afeto positivo, que faz com que “as pessoas se sintam mais seguras, mais ligadas aos outros, mais relaxadas e com maior vitalidade e energia, estando mais motivadas para lidar com as dificuldades e desafios da vida”.

Um dos principais resultados revelados pelos estudos foi o impacto da intervenção em sistemas fisiológicos específicos. Marcela Matos explica que “os professores que realizaram esta intervenção revelaram melhorias na variabilidade cardíaca, um indicador da ativação do nosso sistema nervoso autónomo parassimpático relacionado com a forma como o corpo regula fisiologicamente o stress, associado a sentimentos de segurança, contentamento e calma e a uma maior capacidade de auto-tranquilização face ao stress”, apresentando, assim, “melhorias na sua capacidade de regular o stress”. O impacto na redução dos níveis de burnout (como exaustão física, emocional e cognitiva) dos professores é também frisado por Marcela Matos, tratando-se este de um “aspeto fundamental da saúde mental dos professores.”

Outro resultado muito significativo foi a manutenção dos ganhos da intervenção ao longo do tempo. Para atestar este parâmetro, foi feito um acompanhamento dos professores três meses após a implementação da intervenção, que revelou que “as melhorias encontradas após a intervenção foram mantidas” e que “não houve agravamento da sua saúde mental e psicológica”, afirma Marcela Matos.

A próxima etapa do projeto de investigação arranca em setembro de 2022, em que três intervenções específicas de Treino da Mente Compassiva vão ser implementadas a outros agentes da comunidade educativa: crianças, adolescentes e pais. Na fase final do projeto, pretende-se que os professores que realizem esta formação possam vir a implementar, eles próprios e em contexto escolar, a intervenção aos seus alunos.

A par destas ações, decorrem também dois outros estudos. Um dos estudos que está a ser desenvolvido pretende “avaliar em que medida esta intervenção é eficaz se for implementada noutras escolas, por profissionais de saúde mental que tiveram formação com a equipa que desenvolveu o programa de intervenção”, explica Marcela Matos. O trabalho já está em curso junto de uma equipa de Guimarães, estando a ser implementado em agrupamentos escolares do município. O outro estudo está a ser desenvolvido para “compreender em que medida é que o Treino da Mente Compassiva tem impacto, não apenas em indicadores de saúde psicológica, mas também em indicadores fisiológicos, autonómicos, neuroendócrinos, imunológicos, e epigenéticos de stress e de pró-sociabilidade”, adianta a investigadora da UC.

O artigo publicado na revista científica Mindfulness está disponível aqui e o estudo publicado no jornal científico PLoS One pode ser consultado aqui.